Vale quanto sente: a influência dos sentidos na moda
- Comunicação e Marketing
- 21 de mar.
- 4 min de leitura
As relações entre objetos e interpretações dependem do repertório daquele que julga. Porém, no senso comum, existem preestabelecimentos que minam as codificações: os signos. Tratar da moda a partir da qualidade imediata percebida é empírico, já que desperta em nós intérpretes modos de sentir.
Por Vivian Tripodo
O “belo” que segue à risca todas as predefinições exatas, proporcionais e simétricas da complacência universal torna-se desinteressante e apenas utilitário. Segundo Kant, o juízo de valores está intrinsecamente ligado a esse conceito de “complacência universal”. Essa tentativa de categorização é de herança empírica, uma vez que o belo é buscado no preenchimento das expectativas coletivas perante as características do objeto de análise. Inflamada, nossa percepção da beleza faz com que deixemos de ver o belo nas características subjetivas e busquemos uma finalidade utilitária, esquecendo que a beleza não é passível de determinação conceitual. Categorizar é romper com a variedade; dar espaço à monotonia.
As relações entre objetos e interpretações dependem do repertório daquele que julga. Porém, no senso comum, existem preestabelecimentos que minam as codificações: os signos. Tratar da moda a partir da qualidade imediata percebida é empírico, já que desperta em nós intérpretes modos de sentir.
Nossos sentidos, enquanto intérpretes passivos estão inflamados pela maneira com que percebemos e consumimos a beleza. A busca incessante pelo perfeito deve ser excluída ao pensar no belo. Nossa noção de estética é pautada pela proporção, na medida que o belo é agradável. Num momento no qual podemos manipular o que vemos - ou talvez, o que vemos é manipulado por agentes externos - romper com nossas expectativas é dar uma chance para nossos sentidos.
O SENTIR EM TEMPOS DE ESTÍMULOS DIGITAIS
“Para o homem não existem alternativas senão experimentar o mundo, ser atravessado e transformado permanentemente por ele” é a frase inicial do livro “Antropologia dos sentidos”, de David Le Breton, que traz um olhar para os sentidos além da fisiologia; são ferramentas de manipulação dos entendimentos de sociedade e cultura. No livro, o autor discorre sobre a hierarquia dos sentidos e como cada cultura apresenta um predominante, que irá pautar a percepção do ambiente. No ocidente, há a predominância da visão.
Numa sociedade na qual a visão é o sentido principal, o mundo é reduzido à imagens hipnóticas; e as mídias são o principal vetor da vida cotidiana.
“As imagens transcendem o real [...] mas se o real não é mais senão imagem, esta acaba se transformando ela mesma em original, mesmo incessantemente manipulada por objetivos interesseiros” - David Le Breton.
Deve-se criar um repertório sensorial - consequentemente, cultural - para desprender-se do conceito raso do belo. Num contexto em que tudo é facilmente manipulado para atender às nossas vontades e expectativas - vide o algoritmo das redes sociais - o belo atribui-se da característica outrora negada; torna-se utilitário. Esse poder de escolher o que é visto nos tornou, enquanto coletivo, intolerante àquilo que fuja dos padrões de consumo, produção e estética. Tudo é lindo, perfeito e seguindo os conformes, porém nada é real.
O BELO NA MODA
A palavra “estética” vem do grego “aisthesis” e refere-se à ciência do sentir ou da percepção geral. Ao trazer esse conceito para a moda, atribuímos a ela a capacidade de produzir modos de sentir que enriquecem o processo interpretativo. Não há repulsa à beleza, mas sim ausência do aval da mesma para fazer arte; o belo não é mais o protagonista.
Na medida em que as artes se desprendiam do belo, ele se aproximava mais dos âmbitos hollywoodianos. A expansão da estética enquanto atributo esvaziou o uso filosófico da palavra. A estética tornou-se objeto de desejo: clínicas de beleza levam esse nome e, nas mídias sociais, é usada como elogio.
“No reino do quali-signo [...] a moda é uma das mais destacadas soberanas”, cita a pesquisadora e docente Lucia Santaella, a moda abarca todos os aspectos qualitativos mais atraentes para nossos sentidos: cores, luzes, formas, pulsações, atmosferas, projeções e espelhamentos. O espetáculo é o que mantém nosso desejo pela moda tão latente: ela nos cativa pela grandiosidade, pelo luxo e pelo desejo. O nosso inconsciente visual é dominado pela distância proposital criada para nos manter fisgados.
Enquanto consumidores passivos, buscamos pelo novo, pela tendência, pelo o que “está na moda”. Como uma fênix, a moda nunca falha em renovar o contrato de cativação. A moda é autossustentável: cria um cenário de desejo e nos bombardeia com o belo. O produto final é fruto da manipulação dos nossos sentidos e desejos.
“Enquanto a arte seguiu e continua seguindo por trilhas que a distanciam do belo, a estética da moda continua a ostentar com galhardia o cetro da beleza, do espetacular e do sensacional” - Lucia Santaella.
O ROMPIMENTO COM O PRODUTO
Com vestidos desconstruídos, disformes em infinitos tons de preto, Rei Kawakubo questionou as convenções da moda ocidental. Rompeu com o padrão que as roupas deviam se conformar ou remodelar o corpo.
Em 1993, a partir da inesperada parceria entre a designer Rei Kawakubo e a fotógrafa Cindy Sherman, para a marca Comme des Garçons rompeu com a tradicional fotografia de moda. “Metamorphosis” descentralizou o produto e o enfoque era a “anti-modelo”; maquiagens estranhas, cenários envolventes e uma história sendo contada deixando a roupa - o produto central - em último plano. A campanha publicitária “anti-moda” fugiu do convencional e questionou os conceitos de beleza pré estabelecidos. A sinergia entre as duas foi tamanha que traduziram em meios artísticos provocações e sentimentos inerentes à essência delas.
Rei mudou drasticamente a moda como antes era praticada; “é subversiva e manifesta visões audaciosas, confusas e inquestionavelmente atraentes”. A combinação entre as duas resultou no enfraquecimento da "realidade" de imagens particulares.
“Apesar do destaque de Rei nos dias atuais, ele nem sempre foi apreciado. Quando levou sua coleção para Paris pela primeira vez, no ano de 1981, muitos rejeitaram os cortes assimétricos e desgastados de Kawakubo. Também pudera, em uma década onde todos estavam apaixonados pelo sex appeal da Versace e o excesso de Mugler, havia espaço para algo tão avant-garde?”, via Steal The Look

Gostou do conteúdo? Siga a TRAMA Jr. nas redes sociais!
Kommentare