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Rei Kawakubo - Quando o Visceral encontra a moda: Nem sempre o agradável é conveniente

  • Comunicação e Marketing
  • 14 de nov. de 2024
  • 5 min de leitura

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Rei Kawakubo via Pinterest.


Por Lavínia Dias Claudio,

14/11/2024


Em um mundo onde a moda é frequentemente - e infelizmente - associada à superficialidade, ao fútil ou ao consumismo desenfreado, existe uma vertente profunda, quase visceral, que desafia os limites do corpo e da própria ideia de vestimenta. Essa moda disruptiva, que transcende o corpo e rompe com o que conhecemos, encontra na designer japonesa Rei Kawakubo uma de suas mais potentes vozes. Nas mãos de criadores como ela, a moda deixa de ser apenas uma construção estética e passa a ser um poderoso manifesto social, uma rebelião contra padrões e uma exploração profunda das complexidades de nossa identidade.


O surgimento da moda como ativismo visual


Essa moda revolucionária surge do desejo de romper convenções, de ver e vestir o mundo de outra maneira. Nos anos 1960, muitos estilistas começaram a explorar caminhos alternativos, buscando outras formas de expressão que não fossem o velho e entediante molde clássico e tradicional - principalmente aqueles criados a partir de uma perspectiva ocidentalizada e hegemônica. Mas enquanto alguns se limitavam a modificar pequenos detalhes, criadores como Rei Kawakubo — fundadora da Comme des Garçons — foram muito além, redefinindo a linha entre o que consideramos belo e feio, corpo e tecido; explorando aspectos desconfortáveis, muitas vezes incômodos, de nossa percepção sobre a própria existência.


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Comme des Garçons, A/W 1997, via Instituto Marangoni.


Quando Kawakubo apresentou sua icônica coleção “Body Meets Dress, Dress Meets Body” em 1997, ela causou um verdadeiro terremoto no mundo da moda. As formas eram distorcidas, o corpo, exagerado; os tecidos foram trabalhados para desafiar a silhueta humana ao invés de simplesmente contorná-la. Kawakubo não estava interessada em embelezar o corpo; ela queria nos forçar a questionar o que consideramos “ideal”. Em uma crítica implícita à obsessão pela perfeição, essa coleção revelou uma estética crua e desconstruída, que nos faz reavaliar o que achamos aceitável ou inaceitável dentro da moda, como se houvesse, de fato, uma necessidade de enxergar sempre no famoso “preto no branco”.


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Imagens via Ayerhs Magazine.


Além da função e da forma


A moda disruptiva não se limita a vestir; ela desnuda. Expondo uma visão íntima e visceral do corpo, ela propõe uma reinvenção constante das nossas identidades e abre espaço para o que é fluido, para o que é incerto e único. Nesse caso, o ponto é: criadores como Kawakubo, John Galliano e Alexander McQueen não viam o corpo apenas como um suporte de roupas, mas como algo vivo que dialoga com a roupa, às vezes em contraste, às vezes em harmonia. E é partir disso que podemos claramente perceber que eles, criadores, não seguem tendências, eles subvertem e as criam.


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Maison Margiela por Jonh Galliano, S/S 2024, via Pinterest.

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Alexander McQueen, F/W 2009, via ELLE.


Para Kawakubo, a moda deveria ser sentida, interpretada e até questionada, não apenas consumida. O que ela coloca nas passarelas não é um produto, mas uma provocação. E não é a toa: ao se comunicar com o que é existencial, com o que é político e até com o que é filosófico, a moda de Kawakubo faz da passarela um espaço de reflexão e desconforto contínuo, onde o espectador é obrigado a se deparar com sua própria visão de corpo e de estética.


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Imagens via Gallerist.


A estética visceral: entre o cru e o disforme


A visceralidade de Rei não busca polidez; ela é crua, sincera, sem concessões. Peças que parecem esculpidas em torno do corpo de forma bruta, como se a roupa tivesse vida própria. Em uma era em que a simetria e o padrão “quadrado” eram dominantes, ela nos mostrou que o grotesco também é belo, e que todo esse desconforto citado pode ser uma porta para a compreensão da fragilidade humana, como se uma linha muito tênue entre a estranheza e a graciosidade fosse ainda mais atenuada. Um corpo que não busca a perfeição, mas abraça a vulnerabilidade e encontra seu potencial justamente nessa sensação desconcertante.


Alexander McQueen seguiu uma abordagem semelhante em sua coleção “Highland Rape” de 1995, inspirada nas invasões britânicas na Escócia, trouxe uma narrativa histórica e política que foi chocante e poética ao mesmo tempo. A dor e o desconforto se tornaram ferramentas essenciais, revelando algo que evitamos enxergar em nós mesmos: o lado obscuro, reprimido, o que normalmente é coberto pelo o que consideramos mais “agradável”.


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Alexander McQueen, F/W 1995, via Blogger.


Moda como Reescrita Histórica e Cultural


Mais do que um objeto de consumo, a moda disruptiva é uma forma de linguagem. Cada peça, cada coleção, carrega em si camadas de significado histórico, político e pessoal. Kawakubo, por exemplo, nos mostra roupas que vão além do estético, oferecendo uma crítica sutil ao capitalismo que objetifica o corpo, e às normas patriarcais que tentam controlar as narrativas femininas que vestimos. Ao desestabilizar o belo, ao fragmentar e desconstruir o vestuário, ela nos faz repensar o que significa vestir-se, ser visto e até existir em um espaço público.


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Comme des Garçons, F/W 2017, via Versatille.


Hoje, um novo grupo de criadores segue o caminho aberto por Kawakubo, Galliano e McQueen. Designers como Iris van Herpen exploram a fusão entre moda e tecnologia, transcendendo o corpo com peças que parecem ter saído de um mundo futurista. Enquanto isso, Demna Gvasalia desafia o conceito de luxo ao recontextualizar e dar novos significados a materiais e formas inesperadas. Ainda assim, o impacto de Kawakubo continua a ecoar. Para ela, e para aqueles que se inspiram em sua filosofia, a moda disruptiva não é uma moda passageira, mas uma expressão constante de questionamento, uma busca pelo visceral, pelo que é humano em sua essência.


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Iris van Herpen, 2023, reprodução WWD.

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Balenciaga por Denma Gvasalia, F/W 2022.


Quando levada à sua máxima profundidade, essa moda é um espaço de sensações diversas, uma plataforma para questionar o existencial. Em uma sociedade que constantemente nos diz como devemos ser, o trabalho de Kawakubo e outros como ela nos dá uma chance de sermos, de verdade, nós mesmos. De sermos disformes, imperfeitos, vulneráveis - em outras palavras, meio clichê, reais. E é justamente nesse contraste entre o visível e o visceral que a moda disruptiva encontra seu poder: ao desafiar o que entendemos por corpo e por ser, ela nos leva a uma nova forma de liberdade, a uma moda que, como nós, é sempre inacabada, mutável e infinita. Entre o tecido que rasga e a pele que se expõe, é que se revela algo belo e genuíno: não a do encaixe perfeito, mas a da imperfeição abraçada.




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