Não é magia, é tecnologia!
- Comunicação e Marketing
- 17 de set. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de set. de 2024
Na relação corpo-roupa quem dita as regras? Devemos nos adequar ao tecido que cobre nosso corpo ou seria o contrário? Ergonomia e tecnologia têxtil são peças-chave para o debate e nos concedem liberdade para criar e surpreender.
Por Vivian Tripodo
17/09/2024
Ao olhar para a roupa como uma segunda pele, damos à moda tangibilidade . “Moda”, lida enquanto tendência, cultura e desejo, é intangível e reside no imaginário coletivo. Sua tangibilidade lhe é provida quando falamos do “tecido que cobre o corpo”; sua maleabilidade, textura e elasticidade.
Porém, não apenas cobrimos nosso corpo com um tecido qualquer: a função da roupa vai para além da funcional e alcança o âmbito identitário.
Os recursos estéticos da confecção permite jogar, brincar e “inventar moda”: mostrar ou ocultar o corpo, delinear a silhueta natural ou criar uma nova.
Se é a roupa que veste o corpo, é ela que se adequa às necessidades do mesmo. A tangibilidade da moda é separada pela tênue linha entre o subjetivo e a funcionalidade.
O corpo, a roupa e o espaço
Nessa equação surge um novo fator: o espaço. Por sua vez, esse além de ditar necessidades fisiológicas, é responsável pelas estéticas. O papel do designer de moda é, sobretudo, convergir as necessidades do corpo com as do externo. É possível afirmar que a moda orquestra um “redesign” do corpo.

Pleats Please - Issey Miyake / via Pinterest
O têxtil e a moda se encontram na inovação. Essa fusão permite transcender as fronteiras da moda e descobrir novas relações corpo-roupa. O futuro da moda está em nossa frente ou em nosso passado? Issey Miyake e Nanni Strada são dois designers de moda consagrados que exploram a temática do corpo, da roupa e do espaço. Atualmente, a designer sueca Pola Demianiuk traz em peso ergonomia e tecnologia para seus projetos, que segundo ela são interdisciplinares.
“O objetivo da ergonomia é adequar ferramentas, ambientes de trabalho e até os produtos de uso pessoal, para atender às necessidades, habilidades e limitações dos diferentes tipos de usuário”, via “tecnologia têxtil e design de moda: revelações de Nanni Strada”
Issey Miyake
Foi o primeiro designer japonês a apresentar um desfile em Paris. Ao lado de outros designers nipônicos, levou o japonismo para o mundo fashion dos anos 80. Sempre um pioneiro, Miyake abraçava o artesanal e estendia a mão para novas tecnologias. As formas da natureza, as cores e os plissados são traços icônicos presentes em sua obra.
Issey Miyake / via Pinterest
Amplo, abstrato e assimétrico: o “japonismo” tinha como carro chefe a modelagem desconstruída que não acompanhava o corpo. A peça só ganhava forma no corpo e com ação da gravidade; ao contrário da modelagem ocidental que acompanha as linhas do corpo, esse movimento provoca um rompimento ao trazer linhas inexatas.
“[...] o toque essencial de Miyake tem sido o conceito de fazer roupas a partir de "um pedaço de tecido". Seu processo explora a relação fundamental entre o corpo, o tecido que o cobre e o espaço e a sala que são criados entre esses elementos”, via Miyake Design Studio
“A abordagem de Issey Miyake para a fabricação sempre foi enraizada em pesquisa e experimentação: "pensar fora da caixa" e não ficar preso a estruturas convencionais. Miyake fomentou novas ideias desafiando sua equipe a pensar além das tendências; e a olhar para as necessidades da sociedade naquele momento”, comenta a Miyake Design Studio.
Issey Miyake - Tecnologia e Moda
Com muita pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, Issey Miyake buscava reimaginar a relação entre a roupa e o corpo que ela cobre para trazer estabilidade dimensional para o tecido e ao mesmo tempo manter o tecido constantemente plissado. Miyake desenvolveu diversas técnicas, desde mais "arcaicas" como mais avançadas; por exemplo: a “baked stretch” e a “3d steam stretch”, que consistiam em moldar tecidos sintéticos termo reguláveis.
O processo da primeira técnica é dado a partir da estampagem de uma cola térmica no tecido; depois, ele vai para uma estufa aquecida, na qual a cola se expande e molda a dobra no tecido. Por sua vez, na segunda técnica utiliza-se um novo tipo de tecido misto que se contrai em estruturas rígidas quando exposto ao vapor.

Issey Miyake, 1983 | Issey Miyake, 1989 / via instagram
Essas tecnologias são contemporâneas, porém em 1998 ele se reuniu com Dai Fujiwara e juntos desenvolveram um novo projeto chamado A-poc (A Piece of Cloth). Nele, um fio é alimentado por uma máquina industrial de tecelagem programada por um computador. Eles desenvolveram não só uma nova forma de roupa produzida em massa com muitas variações, mas também foi capaz de controlar a quantidade criada através do processo de fundição.
“A-POC foi revolucionário no sentido de que o processo converteu um único fio em um tecido com textura, forma e roupa com base na tradução de um computador de um projeto de engenharia”, via Miyake Design Studio
“TYPE-O 003-2” - A-POC ABLE / via www.isseymiyake.com
A revista francesa Le Monde 2 visitou o Miyake Design Studio e apresentou o trabalho de Miyake e sua equipe como “não uma maison de couture, mas um laboratório de desenvolvimento e produção, incomparável no mundo”.
Vale ressaltar que Miyake gostava de se referir a moda como uma forma de design. “Design” é solucionar problemas; moda é sobre vestir o corpo - sendo assim, o papel do designer de moda é fazer o tecido se adequar às demandas do corpo que veste e do espaço que habita.
“Qualquer coisa que está ‘na moda’ sai de moda muito rápido. Eu não faço moda. Eu faço roupas”, disse Miyake à revista Paris Voice em 1998
Nanni Strada
É uma designer italiana de moda e têxtil. Já trabalhou para a Dolomite, Ermenegildo Zegna, Fiorucci, La Perla, Max Mara, Nordica e Visconti di Modrone. Na Fiorucci foi responsável pela produção das primeiras sandálias de plástico e sapatos moldados por injeção. É criadora das marcas “Nanni Strada” e “Nomad” e traz em suas coleções a ideia do “elemento puro”, que rompe com a alfaiataria tradicional e tendências de moda”.
Nanni Strada via Getty Images
Seu trabalho traz referências arquitetônicas e é muito relevante: já foi exposto em diversos museus e apareceu em revistas tanto de moda quanto de arquitetura.
Nanni Strada - A arquitetura do vestir
Ela trouxe em todos os seus projetos aspectos ergonômicos, desde a escolha da matéria prima até a modelagem e acabamento. Para ela, é importante que os produtos “sobrevivam ao sistema produtivo industrial”. Além disso, Strada - que além de designer é também pesquisadora e professora universitária - pesquisa a liberdade e experimentação do vestir.
“[...] pesquisa possibilidades de inserir a tecnologia em seus projetos para fins de otimização e adequação aos diferentes tipos de corpos, visando sempre o conforto, mobilidade e aspectos perceptivos do corpo em relação à estrutura da peça” , via “tecnologia têxtil e design de moda: revelações de Nanni Strada”
Os seus projetos mais estudados são Casacos Geométricos (1970), Torchon (1986) e Pli-Plá (1993); eles apresentam enfoque na tecnologia têxtil.
Casacos geométricos (1970)
Surgiu a partir de pesquisas sobre as formas geométricas das roupas orientais durante a década de 1960. Os casacos geométricos são feitos a partir de encaixes colados, que garantem conforto e mobilidade.
via Nanni Strada Design Studio
Torchon (1986)
É um sistema para construir roupas com malha tubular retangular de tecido; uma técnica utilizada no tecido que deixa todo torcido e pode ser guardado em nós.
via Nanni Strada Design Studio
Pli-Plá (1993)
Trata-se de tecidos plissados, que têm a condição de realizar várias dobras, permitindo atingir um tamanho pequeno que ocupa espaço reduzido.
via Nanni Strada Design Studio
Suas produções trazem um olhar sensível sobre a percepção na peça no corpo; formas rígidas são descartadas bem como qualquer tipo de modelagem que restrinja a movimentação e cause aperto ao corpo que vai vestir. Além disso, suas peças tem inúmeras funcionalidades, podem ser reduzidas ou aumentadas e são facilmente transportadas. Pode-se dizer que ela parte do critério fundamental de criação: a atemporalidade; seus designs podem ser usados sem restrições sazonais, contextuais ou de tamanho.
Pola Demianiuk - Quem veste o corpo?
Pola Demianiuk é uma estilista sueca que combina moda e tecnologia para produzir roupas automatizadas. Misturando moda, cinética e robótica ela confeccionou roupas que se “auto vestem”. Tecnologias robóticas se traduzem nas têxteis.
Pola Demianiuk via youtube
"Grande inovação para o design universal. Muitas pessoas lutam para vestir roupas devido a problemas de mobilidade e deficiências. Esta é uma virada de jogo", elogiou uma internauta
via deezen
Moda é ciência e desenvolvimento tecnológico. A roupa é a segunda pele e sua função vai além do caráter contentivo; invade o território identitário. A nossa roupa transmite nossas ideias para o mundo externo; esse por sua vez, as devora e regurgita tendências.
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