Bandanas, masculinidade e a vivência queer
- Comunicação e Marketing
- 18 de nov
- 3 min de leitura
Por: Bruno Zicman
Historicamente, as bandanas são um objeto de iconografia flutuante. Com surgimento na Ásia — mais especificamente no território que viria a ser reconhecido como Índia pelo Ocidente — esses panos tingidos a partir da técnica bandhani foram incorporados pelos ingleses como utensílio prático, algo como o pano de bolso ou um lenço que escondia os catarros escuros deixados pelo uso do tabaco.
Ao longo dos séculos, as bandanas foram adotadas por diferentes grupos, carregando consigo simbologias múltiplas. Porém, mais notadamente, associam-se hoje a um ideal de masculinidade. Ao imaginar o corpo que veste a bandana, o que surge é uma imagem viril — seja ela a do cowboy ou a do motoqueiro. A partir da colonização inglesa e do uso das bandanas de algodão como ferramenta auxiliar em trabalhos manuais, consolidou-se a ideia de que a força bruta e “masculina” viria idealmente acompanhada de uma bandana.
É necessário, quando se fala dessa simbologia predominante, reconhecer também o papel da representação hollywoodiana na atribuição de gênero a esse objeto. Personagens interpretados por John Wayne em Stagecoach (1939) ou Red River (1948), ou mesmo Marlon Brando em The Wild One (1953), superam o uso utilitário da bandana: ela se torna um tótem de masculinidade de fronteira, virilmente autossuficiente e dominadora.

Ao refletir sobre a disputa narrativa em torno desse objeto, evidencia-se um forte marco colonial: há uma deglutição simbólica da bandana que, apesar de suas origens indianas, torna-se reconhecidamente um artefato do Ocidente. É um processo silencioso, mas, em retrospecto, evidente de apagamento das raízes históricas dessas peças. Um dos exemplos mais marcantes dessa ressignificação é o uso intenso de bandanas em campanhas presidenciais estadunidenses, sendo o caso de Theodore Roosevelt — vigésimo sexto presidente dos Estados Unidos — especialmente emblemático.

Fosse usada durante o fumo, para cobrir a cabeça ou como lenço para enxugar o suor, não é por acaso que, com o tempo, a bandana assumiu uma imagem relacionada à ambição e ao trabalho duro. Adotada também por diversos movimentos de emancipação — das reivindicações dos trabalhadores no século XIX às lutas pelos direitos das mulheres no século XX — ela se tornou um símbolo de revolta e recusa da opressão, tendo seu significado constantemente recodificado.
É nesse contexto que se compreende como as bandanas desempenharam um papel crucial — e, inicialmente, clandestino — na expressão da sexualidade queer, especialmente entre homens gays. Durante as décadas de 1970 e 1980, num momento histórico marcado pela repressão a pessoas homossexuais, emergiu na cena noturna estadunidense o hanky code ou “código do lenço”. Esse código sartorial funcionava como comunicação silenciosa das preferências sexuais, disponibilidades e fetiches. Cada bandana colorida carregava um significado específico, e sua posição no bolso traseiro (lado esquerdo ou direito) indicava o papel sexual do usuário. O hanky code foi o primeiro sistema de vestuário queer a comunicar simultaneamente orientação, disponibilidade e desejo, deslocando a bandana de um objeto utilitário e secreto para um signo assumido de identidade.

Pensando na forma como a moda atravessa os indivíduos no cotidiano, o código das bandanas revela uma prática de sobrevivência que se faz através dos próprios tecidos. Uma sensação de liberdade que, embora real, ainda era contida — uma expressão possível apenas dentro dos limites daquela comunidade, naquele tempo.
Hoje, a bandana continua suspensa entre esses mundos: ora sinal de dureza, ora de desejo; ora marca de uma masculinidade fabricada pelo Ocidente, ora testemunho de uma história queer que se costurou nas frestas da noite. Talvez o que reste, ao olhar para esse pedaço de tecido tão simples, seja justamente essa ambivalência — a prova de que nenhum objeto é estático, de que toda peça de roupa é também um campo de disputa. Entre o suor do cowboy e o código secreto dos bares gay, a bandana revela que até os menores fragmentos da moda podem carregar impérios, corpos, silêncios e, sobretudo, maneiras de existir que insistiram em sobreviver.

Gostou da leitura? Então siga a Trama Jr. em todas as redes sociais para não perder nada sobre o mundo da moda!




Comentários